No presente artigo, trataremos da sistemática de apuração da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), mais especificamente da necessidade ou não de tributação do ICMS que compõe transitoriamente a receita bruta das empresas.
Inicialmente, destacamos que a CPRB foi criada pela Lei nº 12.546/2011 com o objetivo de desonerar (reduzir a carga tributária) da folha de pagamento. Esse regime substitutivo está em vigor até hoje, com algumas alterações desde a sua criação.
Em 2017, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucional a inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins (RE nº 574.706), ganhou força o seguinte raciocínio: valores referentes a tributos que transitam na contabilidade de forma provisória para posterior repasse aos cofres públicos não compõem a receita definitiva das empresa, não devendo ser objeto de tributação.
Como não poderia deixar de ser, surgiu uma verdadeira hecatombe de teses que objetivavam a aplicação desse racional ao procedimento de apuração da base de cálculo dos demais tributos incidentes sobre a receita bruta.
Essas teses receberam o nome comum de “teses filhotes”, sendo que, entre tais teses, está aquela que discute a tributação do ICMS pela CPRB.
Por conta do altíssimo volume de processos discutindo essa questão, o STJ resolveu pacificar o entendimento e uniformizá-lo para todos os contribuintes do território nacional.
Nesse cenário, em 10/4/2019, foi julgado o Tema nº 994 dos recursos especiais repetitivos pelo STJ, ocasião em que foi declarado que “os valores de ICMS não integram a base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta — CPRB, instituída pela Medida Provisória nº 540/2011, convertida na Lei nº 12.546/2011”.
Em vista de tratar-se de recurso especial repetitivo, essa tese passou a gozar de eficácia vinculante, de modo que todos os contribuintes — independentemente do ajuizamento ou não de ação judicial sobre o tema — teriam de segui-la a partir de então.
Com a decisão do STJ, os contribuintes optantes pelo sistema substitutivo da CPRB ajustaram suas contabilidades para não incluir a parcela provisória do ICMS na base de cálculo final da CPRB.
A seu favor, existiam dois precedentes fortíssimos, com caráter vinculante, do STF e do STJ sobre a matéria, de modo que o cenário parecia resolvido. Após quatro anos da decisão do STF e após dois anos da decisão do STJ, aquele mesmo caso analisado pelo STJ foi enviado para julgamento da questão pelo STF a pedido da Fazenda Nacional.
Infelizmente, o ano de 2021 começou com uma péssima notícia para o Direito Previdenciário/Tributário e para a segurança jurídica nacional, pois o STF reverteu o entendimento vinculante das decisões citadas, determinando que o “é constitucional a inclusão do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços — ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta — CPRB” (RE nº 1.187.264 (Tema nº 1.048 de repercussão geral).
É muito importante demarcar desde já que o principal motivo que levou o STF a modificar seu entendimento foi o fato de que a escolha pela CPRB em detrimento da tributação da folha é mera opção dos contribuintes, de modo que seria incabível aliar à opção da tributação mais favorável a possibilidade de redução da carga tributária pela exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB.
Como se não bastasse, agora no final de agosto foi finalizado o julgamento virtual dos embargos de declaração que foram apresentados após o julgamento da questão pelo STF e a reversão total dos entendimentos sobre o tema.
Nem mesmo a tão conhecida e discutida técnica de modulação de efeitos foi aplicada pela Corte Constitucional, de modo que, realmente, os contribuintes que ajustaram suas contabilidades e não mais tributaram o ICMS pela CPRB nos últimos cinco anos ficaram expostos a autuações. Nesse contexto, não seria errado concluir que as recentes decisões da carte não estão dissociadas no cenário econômico e crise financeira vivida pelo país em tempos pandêmicos. Entretanto, esperava-se, no mínimo, a utilização da técnica de modulação dos efeitos para fazer com que, excepcionalmente, os efeitos do julgamento fossem aplicados apenas no futuro, isto é, apenas no período posterior à decisão, não atingindo o passado, de modo a não expor os contribuintes a tantos riscos.
Em que pese a densidade da discussão, válido ressaltar que, neste mesmo ano de 2021, no mês de abril, os embargos de declaração apresentados pela Fazenda Nacional no primeiro precedente que autorizou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins foram parcialmente providos para que fosse reconhecida como indevida a tributação do ICMS apenas a partir da decisão de 2017 e não no tocante ao período anterior.
Desse modo, sob o argumento da segurança jurídica, esperava-se que o STF restringisse os efeitos da decisão ao menos a partir da decisão do STJ de 2019, em virtude da mudança repentina da jurisprudência sobre o tema.
Contudo, a cada julgamento tributário decidido em favor da Fazenda Nacional, com aplicação ou não da técnica da modulação dos efeitos do julgamento, parece-nos que caminhamos para uma pergunta sem resposta para a seguinte questão: “Existe segurança jurídica no Brasil?”.
A ver os próximos passos e caminhos dos julgamentos de relevante impacto financeiro que estão por vir, sempre com a esperança de que a Constituição Federal e a segurança jurídica prevaleçam sobre todo o resto.
Autor: Marcello Pedroso Pereira e Rodrigo Blum
Fonte: Conjur